quarta-feira, 3 de março de 2010

Ler É Negócio Muito Perigoso

Grande Sertão: Veredas - João Guimarães Rosa

Donada. Daí surge o que é considerado por muitos o maior romance da história da língua portuguesa, e um dois maiores do mundo. Como dito por alguns estudiosos, o livro é uma história de um fôlego só, um único ímpeto. E não precisava mais. Enquanto eu lutava e brincava com as palavras de Rosa, pude, na minha limitada capacidade, me impressionar como nunca antes com um romance. Vou tentar expor parte do que apreendi dessa obra, mesmo sabendo que a cada dia que passa e a cada experiência que ganho, teria mais chance de absorver cada vez mais dessa história.

O livro nada mais é do que um relato de histórias de vida de um sertanejo, Riobaldo, para um ouvinte fiel (e silencioso) da cidade grande. Nascido numa família relativamente de classe média (para o sertão do norte de Minas Gerais) no começo do século passado. Riobaldo teve uma chance que poucos conseguiram naquela região naquela época, ser educado. Com isso, teve oportunidades boas como ser tutor do fazendeiro Zé Bebelo. Daí sai o início da vida de jagunço de Tatarana (apelido de Riobaldo). Nesse meio, ele reencontra um amigo de infância, Diadorim, que entrou no "ramo" por causa de seu pai, Joca Ramiro. Após o assassinato desse por Hermógenes, Diadorim se recusa a abandonar a jagunçagem até vingar seu pai, o que vira um incômodo para Riobaldo, que nunca teve muito apreço por essa vida e por amar Diadorim.

Não quero me prender muito no enredo, até porque não me lembro das minúcias e por ele não ser linear, mas seguir o raciocínio do contador, Riobaldo. O que me interessa é fazer uma rápida reflexão sobre dois dos temas profundamente abordados no livro. Primeiramente, a recorrente menção do diabo no livro. Aparentemente, Riobaldo tem uma certa obsessão com a figura, talvez até um interesse meio obscuro. O fato de ele, desesperado por vingar Joca Ramiro por uma questão de honra, ir a uma encruzilhada e chamar o capeta pelo nome, acompanha a narrativa em todos os momentos. Porém, nunca fica claro se houve ou não o pacto. O protagonista vive se questionando sobre a existência do chifrudo e essa dicotomia diabo-não-diabo é um dos motores das histórias. Enfim, um dos temperos da obra é a constante idéia do "diabo na rua, no meio do redemoinho..." (para bons entendedores).

O outro tema que gostaria de abordar é o amor homoerótico de Riobaldo por Diadorim. Apaixonado, o protagonista constantemente conta a agonia de sua situação, na qual lhe era impossível divulgar seus sentimentos para o companheiro jagunço. Por esse amor, Riobaldo decide seguir atrás de Hermógenes, junto de Diadorim, e também acaba por tentar o pacto com o diabo. Mas as descrições das noites em que passavam juntos a uma fogueira, com os outros jagunços, são uns dos atrativos mais impressionantes da história.

É claro que a linguagem de Rosa no romance é, talvez, o aspecto mais discutido e repercutido da obra. Considerada uma daquelas impossíveis de serem traduzidas (embora tentativas foram feitas), Grande Sertão: Veredas tem na sua absurdamente trabalhada linguagem única do sertão uma universalidade absoluta. Tá, sem palavras feias, o livro, com sotaque nordestino, trata dos assuntos mais atemporais, universais. O ser humano e sua existência versus as divindades e sua aparente falta-de-existência; as noites em claro perdidas em pensamentos; o fascínio pelo extraterreno; etc. A idéia de sublimidade, na qual o homem deixa de ser homem e vira mundo, grande sertão ("o sertão é do tamanho do mundo"), é algo expresso de maneira linda.

Inúmeras citações seriam possivelmente as mais belas da literatura brasileira: "qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."; "o senhor sabe o que o silêncio é? É a gente mesmo, demais."; "o diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano.";... Enfim, resumindo tudo, segundo o próprio Guimarães Rosa, o livro é a constatação mais clara possível de que "viver é negócio muito perigoso".

3 comentários:

  1. Cara, que post agradável de ler, além do jeito que você escreve, as lembranças boas que tenho das horas investidas nesse livro foram as grandes responsáveis para essa sensação.
    Esse livro é um divisor de águas numa leitura da vida. Todos deveriam ter a oportunidade de ler a trajetória do Tatarãna...

    Livro que deixa o leitor sem palavras,

    ótima indicação...

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  2. Adorei sua resenha, fiquei com muita vontade de ler o livro! Voce escreve muito bem, ótima dica ;)

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  3. Caro Jamil Assis, os efeitos do seu alto grau de leitura, já se traduzem nos textos escritos por você.
    Congratulations!

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