domingo, 4 de outubro de 2009

A Memória É Curta, Mas Isso Não Pode, Não Deve e Não Será Esquecido

Busquei estar a par dos fatos o máximo possível para escrever esse artigo, pois ele trata do mais novo conflito de opiniões aqui no Brasil: Honduras. Manuel Zelaya, Micheletti, Brasil, ONU, Constituição de Honduras, a confusão é grande. Mas por que o Brasil resolveu intrometer-se nessa questão?

Em 1964, aqui no Brasil, apoiado pela Igreja, pela classe média e pela direita e centro partidários, o exército, a marinha e a aeronáutica, representadas pelos seus coronéis e brigadeiros, destituíram João Goulart que, por direito, deveria assumir o governo. Durante esse período, o Brasil simbolizou, para quem olhasse de longe, uma nação promissora economicamente, porém, para os que conviviam com as conseqüências dos Atos Institucionais, a visão era de um país que fez o cala boca prevalecer, direitos constitucionais suprimidos, torturas nos porões. Durante essa época, um grande jurista brasileiro, Francisco Campos, talvez o maior de todos os tempos no Brasil, foi recrutado pela Ditadura Brasileira para justificar o golpe de Estado. Era incansavelmente dito no texto que a Constituição que eles acabavam de rasgar defendia o golpe, pois o Brasil passava por uma ameaça comunista e tantos outros argumentos que faziam uso da ignorância de grande parte da população para encobrir que a democracia foi violada e que demoraria quase 30 anos para o brasileiro poder votar novamente.Tortura, parentes mortos, receitas de bolo em capa de jornais, exílio para muitos.

Em 2009, apoiado pela oposição, Manuel Zelaya foi destituído do poder, expulso de seu país, de pijama, com um fuzil apontado em sua cabeça. Sob justificativa de buscar a reeleição, Roberto Micheletti, presidente da câmara assumiu a presidência. Foram suspensos direitos constitucionais, emissoras de rádio foram fechadas, alguma semelhança com o segundo parágrafo?

Para fundamentar meu argumento, busquei os artigos da Constituição Hondurenha e consultei as notícias que antecederam o golpe de Estado. Zelaya, que não é flor que se cheire, que fique bem claro, porém eleito pelo voto popular, tem uma política que visa à progressiva interdependência Hondurenha dos Estados Unidos. Quem conhece um pouco da história de Honduras, verá que esse país sempre foi considerado como um protetorado dos Estados Unidos. Tanto que, por pressão do ex-presidente estadunidense cowboy Ronald Reagan, foi elaborada uma Constituição nos moldes ocidentais. Tal carta tinha nos seus artigos, claramente expressos, a intenção estadunidense de manter a soberania no país ao estabelecer e vedar totalmente a reeleição para que, assim, fosse inviabilizado qualquer tipo de reforma profunda na estrutura social e política Hondurenha.

O Artigo 4 da constiuição Hondurenha prega que Honduras é um governo republicano, democrático e representativo. Se exerce pelos 3 poderes que são independentes entre si. O exercício da Presidência da república é obrigatória, e infração dessa norma é um delito de traição à pátria. O problema desse Artigo é que não estabelece a maneira como será destituído um presidente que defender a reeleição. Além disso, Zelaya não propôs uma nova Constituinte, Zelaya propôs uma consulta popular que perguntaria: “Você acha que o país deve fazer um referendo para elaborar uma nova Constituição?”. Então a consulta popular seria uma consulta sobre uma outra possível consulta que propunha se deveria convocar uma constituinte. Os militares pressupuseram que Zelaya tinha intuito de estabelecer a reeleição.

Bom, a questão não é se Zelaya queria ou não a reeleição, a questão é que foi uma violação da democracia e também uma supressão de direitos inalienáveis do homem. Pessoas foram mortas, impedidas de manifestar sua opinião. E, acreditem se quiser, ainda há grandes estudiosos brasileiros dizendo que o golpe foi Constitucional.

O Artigo 1 prega que Honduras é um estado de direito, soberano, independente e democrático. Preciso ainda dizer por que o Brasil deveria interferir nessa questão? Será que Zelaya estaria vivo se recorresse à embaixada dos EUA? Vamos pensar de outra maneira, Jango ficaria no poder se pedisse ajuda aos EUA? Obviamente, não. Seria um insulto à memória de nós brasileiros permitirmos um golpe militar em um país latino-americano como nós. Assim como é um absurdo hoje muitos defenderem a Ditadura no Brasil, pois isso mostra a conivência à tortura, à morte, à censura. Além disso, a revista Veja, que ainda consegue piorar sua imagem no cenário acadêmico, chama essa política adotada por nós de "Imperialismo".

Hoje temos o Direito à memória e à verdade. Todos nós brasileiros temos o direito de saber o que foi a ditadura e o que ela causa de prejuízos a uma nação. Imperialismo é permitir a violação de Direitos Humanos, apoiar ditaduras, como fez os EUA com os militares brasileiros e argentinos, com Stroessner no Paraguai, com Pinochet no Chile, com Saddam Hussein e seu massacre aos xiitas no Iraque, e tantas outras.

4 comentários:

  1. Simplesmente cristalino, por isso não ficou maçante. Penso que aqueles que afirmam que foi bom o Zelaya ter sido expulso em nome da ordem interna estam cegos pelo o que a Gabriela chamou de "democracia burguesa". A constituição hondurenha é vaga propositalmente, assim como as leis que entraram em bigor durante a ditadura.
    Nenhum Estado hoje vai se declarar não democrático. A democracia se tornou algo banalizado, hipócrita e puramente teórico. Na prática, a situação é diferente. Grande Estado democrático esse que rechaça seu próprio presidente e ainda legitima seus atos por meio de distorções linguísticas da norma. Isso não é nada diferente dos sofismos gregos.
    O problema reside no fato de não termos aprendido nada com o passado, não tirarmos nenhuma lição do que aconteceu aqui. Pelo fato de Ditaduras não possuirem ideologias, faz-se necessário alienar a população para que o governo se mantenha no poder. Dá para ver que piorar a educação e heroicizar o futebol realmente deu resultado.

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  2. O texto mais longo do blog até então. E por incrível que pareça, não ficou nenhum pouco cansativo. Denso, sempre. Cansativo, jamais. Grande Pedro!

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  3. Aconselho vocês a lerem um pouco sobre a democracia bolivariana: Chaves, Correa, Morales...E leiam tambem sobre a blogueira de Cuba e a liberdade que viceja por lá. Também não deixem de realizar comparações sobre a UNE que lutava contra a corrupção e a UNE que se cala, recebendo verbas federais. Ah, não deixem de lado os gentis homens do MST...

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  4. Caro Anônimo

    Concordo que precisamos estudar mais sobre democracias latino-americanas, mas sobre o Chávez prefiro dizer que se trata de uma "ditadura democrática". Apesar do povo mantê-lo no poder, as suas sucetivas reeleições acabam criando um sistema vicioso, isso sem contar o impedimento da liberdade de expressão, o que é algo que me dá calafrios. Não que eu seja daqueles que pensam que ele é o Satã em pessoa, mas não concordo com esse tipo de coisa.

    Já a UNE, faz tempo que é chapa branca. Não se manifesta, não contesta, não se opõe. Felizmente não é só a ela que se resume o movimento estudantil.

    E sobre os gentis homens do MST, espero que você tenha sido irônico, afinal, apesar da maioria das pessoas do MST ser composta por camponeses que relamente só procuram uma terra pra poder lavrar, as cabeças do movimento estão impregnadas de corrupção e politicagem. Infelizmente.

    Mas muito obrigado por comentar. Melhor que receber elogios, é receber críticas e/ou ideias opostas regadas de bons argumentos.

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