The Last Superstition - Edward Feser
Falar de moralidade e filosofia metafísica com precisão e ao
mesmo tempo fluidez é uma conquista para poucos, e isso é atingido no caso de
Edward Feser no livro A Última Superstição – Uma Refutação do Novo Ateísmo. Com
linguagem divertida, provocando de maneira inteligente e ao mesmo tempo dura e
rigorosa os adversários e seus argumentos, essa obra é obrigatório como
introdução à defesa racional da existência de Deus.
Sua argumentação segue a lógica desenvolvida pelos chamados
escolásticos, que constroem suas explicações a partir de um entendimento do
realismo filosófico de Platão, seu refinamento em Aristóteles e subsequente
aprofundamento em São Tomás de Aquino. Essa trilha nos leva às consequências da
chamada "Lei Natural" para nossa moral e ética, através do
conhecimento da importância de uma metafísica, isso é, uma ciência e estudo do
"ser", ou da existência das coisas em si. E essas consequências,
apesar de beirar o óbvio para quem segue o fio dessa meada, hoje são tidas como
incorretas e "moralistas" no mau sentido.
Sem entrar muito nessas diferentes paradas da explicação de
Feser, vale trazer o itinerário em linhas gerais. A introdução do livro é
basicamente uma promessa de que Daniel Dennett, Richard Dawkins e companhia –
os chamados Novos Ateus – estão redondamente errados, argumentam partindo de
caricaturas dos seus opositores e ignoram descaradamente a potência das ideias
metafísicas para explicação da existência de Deus.
O livro abre com a apresentação das principais vertentes
filosóficas da antiguidade grega, para culminar nas doutrinas sobre como e por
que as coisas são e as características do ser, na metafísica de Platão e, logo
em seguida, com muito rigor e sem pressa, na doutrina do hilomorfismo de
Aristóteles. Esses palavrões podem intimidar quem passa o olho no sumário dos
capítulos do livro, mas, retomando o elogio do começo desse texto, Feser nos
acompanha muito calmamente, com profundidade e bom-humor (por vezes escrachando
sem nenhum pudor os seus oponentes). O destaque dessa primeira sessão é a
explicação, e defesa contra suas principais objeções, do realismo em detrimento
do nominalismo e conceitualismo. Estamos falando aqui, basicamente, de uma
refutação do materialismo, constante pedra no sapato de quem hoje nega a
existência de Deus ou de outros conceitos importantes para compreensão da
humanidade, como finalidade, natureza das coisas e moralidade. O capítulo se
fecha com a apresentação em detalhes da metafísica de Aristóteles, suas
explicações sobre como é possível que as coisas existam, persistam em
existência e passem por mudanças.
O terceiro capítulo curiosamente começa explicitando o que
Tomás de Aquino não disse, uma necessidade dada a obsessão dos Novos Ateus com
caricaturas de seus argumentos. Essa parte também se mostra crucial, já que o
restante do capítulo é devotado a nos acompanhar em três das famosas Cinco Vias
de São Tomás para prova da existência de Deus. Esses três argumentos – do Motor
Imóvel, da Causa Primeira e da Inteligência Suprema – nos trazem caminhos
distintos para a mesma conclusão, a da existência de um Deus, uno,
essencialmente simples, mantenedor de tudo no universo a todo o momento. Essas
vias, porém, dependem profundamente de uma mínima aderência às explicações
anteriores, especialmente das conclusões de Aristóteles. Mas suas conclusões
parecem inescapáveis para quem rigorosamente segue o passo-a-passo de Feser. E
a finalização desse capítulo é a constatação de que para crer num Deus, como o
das principais religiões monoteístas do ocidente, não somente é um exercício de
razão e compreensão, como parece a saída mais racional para tentativas sérias
de explicações da natureza do universo.
Os capítulos seguintes são os mais práticos e trazem um
pouco mais de concretude ao debate até então bastante (obviamente) filosófico.
Mas reforço que o autor, na melhor das suas capacidades, utiliza de uma escrita
recheada de exemplos e explicações tão simples quanto é possível para esses
assuntos. Sua substância trata das consequências éticas e práticas das
conclusões de São Tomás e Aristóteles, que vão desde a compreensão de que
nossas almas são imortais até uma explicação bem interessante da chamada
"Lei Natural" (concepção que se desdobra na ética a partir da
filosofia de São Tomás). Também temos um forte trecho em que Feser praticamente
atropela várias das objeções levantadas pelos modernos às posições dos
filósofos da Lei Natural. O fim do livro traz importantes detalhamentos de como
essa filosofia que nega o realismo, especialmente do tipo de Aristóteles, leva
a consequências muito negativas e destrutivas em nossas vidas.
É muito sedutor e estimulante tentar trazer uma versão
resumida e simplificada às explicações de Feser, mas isso seria um desserviço
às suas claríssimas e lógicas (além de muitas vezes engraçadas) exposições de
todas essas temáticas profundas. São temas complexos e muitas vezes abstratos,
sim, mas são inescapáveis de quem quer seriamente entrar em debates sobre a
existência de Deus com as melhores ferramentas possíveis para a defesa do – até
pouco tempo atrás tido como – óbvio.
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