sábado, 31 de março de 2018

Defesa de um realismo - e suas consequências


The Last Superstition - Edward Feser

Falar de moralidade e filosofia metafísica com precisão e ao mesmo tempo fluidez é uma conquista para poucos, e isso é atingido no caso de Edward Feser no livro A Última Superstição – Uma Refutação do Novo Ateísmo. Com linguagem divertida, provocando de maneira inteligente e ao mesmo tempo dura e rigorosa os adversários e seus argumentos, essa obra é obrigatório como introdução à defesa racional da existência de Deus.

Sua argumentação segue a lógica desenvolvida pelos chamados escolásticos, que constroem suas explicações a partir de um entendimento do realismo filosófico de Platão, seu refinamento em Aristóteles e subsequente aprofundamento em São Tomás de Aquino. Essa trilha nos leva às consequências da chamada "Lei Natural" para nossa moral e ética, através do conhecimento da importância de uma metafísica, isso é, uma ciência e estudo do "ser", ou da existência das coisas em si. E essas consequências, apesar de beirar o óbvio para quem segue o fio dessa meada, hoje são tidas como incorretas e "moralistas" no mau sentido.

Sem entrar muito nessas diferentes paradas da explicação de Feser, vale trazer o itinerário em linhas gerais. A introdução do livro é basicamente uma promessa de que Daniel Dennett, Richard Dawkins e companhia – os chamados Novos Ateus – estão redondamente errados, argumentam partindo de caricaturas dos seus opositores e ignoram descaradamente a potência das ideias metafísicas para explicação da existência de Deus.


O livro abre com a apresentação das principais vertentes filosóficas da antiguidade grega, para culminar nas doutrinas sobre como e por que as coisas são e as características do ser, na metafísica de Platão e, logo em seguida, com muito rigor e sem pressa, na doutrina do hilomorfismo de Aristóteles. Esses palavrões podem intimidar quem passa o olho no sumário dos capítulos do livro, mas, retomando o elogio do começo desse texto, Feser nos acompanha muito calmamente, com profundidade e bom-humor (por vezes escrachando sem nenhum pudor os seus oponentes). O destaque dessa primeira sessão é a explicação, e defesa contra suas principais objeções, do realismo em detrimento do nominalismo e conceitualismo. Estamos falando aqui, basicamente, de uma refutação do materialismo, constante pedra no sapato de quem hoje nega a existência de Deus ou de outros conceitos importantes para compreensão da humanidade, como finalidade, natureza das coisas e moralidade. O capítulo se fecha com a apresentação em detalhes da metafísica de Aristóteles, suas explicações sobre como é possível que as coisas existam, persistam em existência e passem por mudanças.

O terceiro capítulo curiosamente começa explicitando o que Tomás de Aquino não disse, uma necessidade dada a obsessão dos Novos Ateus com caricaturas de seus argumentos. Essa parte também se mostra crucial, já que o restante do capítulo é devotado a nos acompanhar em três das famosas Cinco Vias de São Tomás para prova da existência de Deus. Esses três argumentos – do Motor Imóvel, da Causa Primeira e da Inteligência Suprema – nos trazem caminhos distintos para a mesma conclusão, a da existência de um Deus, uno, essencialmente simples, mantenedor de tudo no universo a todo o momento. Essas vias, porém, dependem profundamente de uma mínima aderência às explicações anteriores, especialmente das conclusões de Aristóteles. Mas suas conclusões parecem inescapáveis para quem rigorosamente segue o passo-a-passo de Feser. E a finalização desse capítulo é a constatação de que para crer num Deus, como o das principais religiões monoteístas do ocidente, não somente é um exercício de razão e compreensão, como parece a saída mais racional para tentativas sérias de explicações da natureza do universo.

Os capítulos seguintes são os mais práticos e trazem um pouco mais de concretude ao debate até então bastante (obviamente) filosófico. Mas reforço que o autor, na melhor das suas capacidades, utiliza de uma escrita recheada de exemplos e explicações tão simples quanto é possível para esses assuntos. Sua substância trata das consequências éticas e práticas das conclusões de São Tomás e Aristóteles, que vão desde a compreensão de que nossas almas são imortais até uma explicação bem interessante da chamada "Lei Natural" (concepção que se desdobra na ética a partir da filosofia de São Tomás). Também temos um forte trecho em que Feser praticamente atropela várias das objeções levantadas pelos modernos às posições dos filósofos da Lei Natural. O fim do livro traz importantes detalhamentos de como essa filosofia que nega o realismo, especialmente do tipo de Aristóteles, leva a consequências muito negativas e destrutivas em nossas vidas.

É muito sedutor e estimulante tentar trazer uma versão resumida e simplificada às explicações de Feser, mas isso seria um desserviço às suas claríssimas e lógicas (além de muitas vezes engraçadas) exposições de todas essas temáticas profundas. São temas complexos e muitas vezes abstratos, sim, mas são inescapáveis de quem quer seriamente entrar em debates sobre a existência de Deus com as melhores ferramentas possíveis para a defesa do – até pouco tempo atrás tido como – óbvio.

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